Nas minhas andanças por esse mundo além, aconteceu-me, como
tantas vezes acontece a um padre, ser convidado a “ajudar” nas confissões.
Tratava-se de grupo específico, na rota da sua preparação
para uma peregrinação à Terra Santa.
Aceitei com um misto de sentido de serviço
mas também de curiosidade: provavelmente, iria ser parte de uma celebração
penitencial criativa e sugestiva. Tinha ténues motivos para essa esperança.
Enganei-me. Depois de uma brevíssima introdução do
pároco, presidente do acto a que não posso chamar “celebração penitencial” nem
mesmo semelhante a muitas outras que já se praticam um pouco por todo o lado do
mundo católico – apesar da recitação conjunta e breve do “confesso a Deus todo
poderosos e a vós irmãos” -, os 6 padres presentes são distribuídos cada um por
seu canto esperando os penitentes. Pura rotina!
Sem surpresas, chega-me uma primeira penitente em trajes
tais que qualquer pessoa frequentadora destes espaços poderia ter sido tentada a aconselhá-la a
ir vestir-se um pouco melhor. Mas, enquanto se aproxima, é para mim evidente a
simplicidade da jovem.
Senta-se e, de novo sem surpresas, vejo que nem sabe bem como
começar a “sua confissão”. Para a ajudar a sair do embaraço pergunto “mas então
o que veio fazer aqui?”. Resposta pronta: “Dizer
os pecados”. Com um pouco de mais algumas palavras de ajuda lá chegou a
formular “Pedir perdão a Deus”.
Então, antes de mais, faça isso, peça perdão a Deus, disse-lhe. E ajudei-a a
formular uma petição bem pessoal que acabaria na fórmula mais que
tradicional e bem acertada: "Pai, perdoai-me porque pequei".
Fórmula simples e orante que, com nova e subtil ajuda minha, repetiria 2
vezes, já com visível mudança do rosto, agora já orante e recolhido,
escutando, também recolhidamente, e de olhos fechados, a minha oração de
acolhimento, enquanto lhe pousava, levemente a minha mão sobre a sua cabeça:
"O Espírito de Deus desça ao teu coração para, com sinceridade, possas confessar, na sua presença, os teus pecados".
E abri caminho para aquilo que ela dizia que vinha fazer: dizer os pecados.
De novo, lá tive de a ajudar a fazer algum esforço de
identificação de actos / coisas feitas, que ela considerava “pecado”. E, claro,
ajudei-a a ir um pouco mais fundo, a dar conta, sobretudo, das “omissões” que bem
descaracterizam a identidade de sermos discípulo de Jesus Cristo, embora muito religiosos, sobretudo a
atenção aos outros, nas mais diversas circunstâncias. Estávamos, estamos ainda, no auge dos
fogos e dos apelos de apoio da Cáritas! Mas disto, destes apelos, ainda não tinha dado conta!
Curiosamente, as outras 5 ou 6 pessoas que “confessei”,
todas foram directas à “lista dos
pecados”, o trivial que todos já
conhecemos e que, felizmente, nem tinham qualquer gravidade. Um jovem que,
apesar da motivação imediata da confissão ser tão só a viagem peregrinante, foi
de uma “perfeição” e densidade espiritual invulgar. Colocava, tão somente, o
problema do seu crescimento interior! Mas foi um cometa na vulgaridade do que
ali acontecia.
Mas volto ao ponto de partida:
1.
Como é ainda possível que persistam formas de
celebração, tão
rotineiras e, a meu ver, tão pouco pedagógicas, de um sacramento sempre dito tão relevante na vida cristã?
2.
Quando se conseguirá que os padres – principais
agentes desta pastoral – passem a ser elementos transfigurantes desta
celebração que incida mais na consciência da misericórdia e do perdão do que na acusação – às
vezes inútil – dos pecados?
3.
Como foi ainda possível, numa celebração com um
fim tão específico, prescindir pura e simplesmente do alimento da Palavra de
Deus que, na evocação de figuras peregrinantes como Abraão, Moisés, Elias,
Paulo, e tantas outras, teria uma riqueza inaudita?
E como eu ia disposto a partilhar mais uma celebração rica e
de qualidade!
Ia com a secreta esperança de comparar com as
riquíssimas celebrações que desde há 30 anos Deus me foi dando nas
Pequenas Comunidades de Murrupula, Marrere e Malatane e que deixei
indiciadas
no caderno “Penitência e Confissão dos
Pecados – Por que sim?”, e que já ensaiei também em Portugal com grupos de
casais mais e menos jovens, sempre com grande satisfação.
A riqueza da criatividade litúrgica das jovens comunidades
de Nampula deixo-a apenas indiciada nas imagens que ilustram este texto.
Todas se reportam apenas ao momento da "Confissão dos pecados"
sempre
vivida com íntima e profunda devoção, de quem acolhe o Espírito
Purificador de Deus Pai e seu Filho Jesus, depois de uma cuidada partilha da Palavra proclamada!
Talvez,
por contraste, possam ter alguma utilidade também fora dos espaços nampulenses.
Um velho e respeitado membro de uma comunidade, por sinal, quase cego, ecoando a Palavra escutada, confessa os pecados da
sociedade envolvente. Comovente!
O significado purificador da Água batismal é, assim, intrinsecamente trazido para o imaginário de todos os participantes. O canto, sempre encantador em África, ajuda-nos a penetrar e a viver tão íntima celebração.
Talvez tenha interesse receber opiniões sobre esta reflexão.
Aguardo-as no meu email: zeluzia@gmail.com