CARTA DE NATAL DE 2012

Querido/as Amigos e Amigas d’Aquém d’Além mar

Antes de mais, o meu grato agradecimento a toda/os  a/os que se me fizeram presentes nesta quadra natalícia. Mesmo que, com dificuldade, fosse recebendo as viossas mensagens, não tive condições técnicas para responder convenientemente a cada um/a. E responder para cumprir… com o rotineiro “agradece e retribui”  não está no meu jeito de ser. Apetecia-me partilhar a minha andança deste Natal, vivido em contexto completamente inédito, mesmo se ando por estas terras há 44 anos. Este Natal tem marcas humanas novas!
Querido/as Amigos e Amigas d’Aquém d’Além mar

Antes de mais, o meu grato agradecimento a toda/os  a/os que se me fizeram presentes nesta quadra natalícia. Mesmo que, com dificuldade, fosse recebendo as viossas mensagens, não tive condições técnicas para responder convenientemente a cada um/a. E responder para cumprir… com o rotineiro “agradece e retribui”  não está no meu jeito de ser. Apetecia-me partilhar a minha andança deste Natal, vivido em contexto completamente inédito, mesmo se ando por estas terras há 44 anos. Este Natal tem marcas humanas novas!

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À medida que os dias de Natal iam passando por mim, e eu por eles, na actividade pastoral da paróquia, ia pensando em muitos de vós e imaginando-vos a meu lado, cheios de alegria, porventura porque, a extrema pobreza material em que me movimentei, contrastando com a habitual exultação das celebrações, nos dão um contexto mais fiel àquilo que o evangelista Lucas sentiu necessidade de nos transmitir.

Vivi, intensamente, e de modo completamente novo e diferente, este Natal. Estou numa paróquia situada na zona da diocese que eu menos conhecia: tudo foi, por isso, novo para mim: as pessoas e as comunidades; os costumes e os ritmos.
Nunca, culturalmente, tinha estado completamente só, o que me permitiu sentir a saudade dos amigos e da família de sangue de modo mais intenso e, assim, vivenciar a grandeza do Mistério da Encarnação de Deus que vem povoar todos os espaços humanos que dele carecem para serem verdadeiramente segundo o seu desígnio de salvação. Nestas circunstâncias, senti-me, ainda mais, missionário.


 As jornadas natalícias paroquiais começaram no dia 21, com a de formação de alfabetizadores, como relançamento da alfabetização de adultos, dirigida, ao menos, aos catecúmenos e crismandos. O método de Paulo Freire é ajuda salutar para que os catequisandos, adultos ou crianças, não fiquem puros papagaios de doutrina, mas possam ir abrindo os olhos de forma reflexiva e crítica, mesmo no domínio da fé. Os batismos e crismas estão previstos para a próxima Páscoa, depois de os termos adiado do mês de Agosto passado para onde estavam programados antes de eu chegar à Paróquia. Portanto, este dia já viveu projectado para a Páscoa, mesmo sendo Natal.
Foi surpreendente, para mim, verificar a apetência dos homens que apareceram para esta actividade. Fico expectante! Esta formação foi conduzida pelo agora professor Inácio Araújo que, nos anos 1990, no Marrere, aprendeu e ensinou a mesma coisa. Foi também uma maneira de contemplar como um filho da terra foi acolhido com tanto carinho e júbilo: afinal, sempre dá mais gosto que estas coisas sérias e novas não venham, sempre, de bocas estrangeiras!
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No dia 22, na mesma comunidade de Naholoko, a 20 Kms fora da sede paroquial, mas mais central para o conjunto da paróquia, além de continuar o encontro de alfabetizadores tivémos o I Encontro Paroquial das Mulheres com um número muito razoável de participantes. Penso que a imagem da celebração vos dará um cheirinho da determinação que habita estas mulheres. Sublinho que estamos em zona de 90% islamizada!. Apesar de elas não terem, ainda,  evidenciado muita liderança, foi claro que há ali potencial humano para prosseguirmos.
No dia 23, Domingo, depois da celebração na vivíssima comunidade de Naíne, tivemos o Conselho Pastoral Paroquial que se ocupou dos problemas que trazemos entre mãos, sobretudo os que se prendem com a forma de “governo” da paróquia: que a gestão de tudo, incluindo dos terrenos e demais estruturas. da missão, sejam assegurados, sem ruturas, pelos cristãos locais, no momento em que as Irmãs do Bom Pastor, depois de ali terem estado mais de 10 anos, se vão retirar para… a cidade! Por isso, também por isto, vivemos um momento de grande expectativa
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Está em questão a capacidade de autonomia económica da paróquia, aproveitando, convenientemente, os recursos físicos de que se dispõe para agricultura e pecuária. Demos início ao “rebanho de cabritos paroquiaL” com uma cabrita de cada uma das 12 comunidades, mais o bode que me fora oferecido aquando da minha chegada  e a minha “milagre”, a cabrita que me foi oferecida por eu, sem saber, ter levado para o hospital, em Junho ou Julho, um homem que ia ser operado e ter tudo corrido bem. A esposa achou que quem tal transporte tinha feito devia ser agradecido! “Faz o bem sem olhares a quem” pois pode te sair em sorte uma linda cabrinha!

No dia 24 tivemos o que eu chamei a “missa do pintainho” (missa da Vigília de Natal,  de manhã) numa comunidade com uma lindíssima paisagem sobre as dunas e o mar ao longe. Foi pobre, apesar da boa vontade de algumas mulheres e de um homem. Mas o ancião, homem ainda novo, não tem sido assíduo à formação e à participação nas outras comunidades e, portanto, vê-se que não está a acompanhar a pedalada do resto da paróquia, nem sequer liturgicamente.
Pelas 18/19 horas, já noite, tivemos, eu e o Inácio, a nossa Ceia de Natal. Muito simples: inheue (uma espécie de bredos, erva daninha das hortas daí, aferventados em cebola e tomate – receita do P.Marcelo do SVD-Liupo). Nunca tinha tido ceia de natal tão frugal! Senti, naturalmente, na verdade da situação que vivia, a presença de todos vós, familiares e amigos. Senti-me muito autêntico, muito genuíno, muito natalício, mesmo sem as rabanadas, sem as filhoses, sem os vinhos tintos ou brancos, sem as couves e o bacalhau, sem tudo isso, mas desfrutando do essencial: a expectativa de Jesus por um mundo dele tão precisado! E como esse mundo vai daqui até aí e vice-versa!!



Depois, pelas 20 H, chegávamos (eu+Inácio+Animador Paroquial) à comunidade de MURUA (zona onde andam agora os chineses a explorar riqueza mineira cá da terra) para a missa que, por ser tão cedo, mais seria da galinha do que do galo. Mas acabou mesmo por ser quase do galo, pois até à meia-noite se prolongou. Primeiro com a preparação do lugar. Estava para ser dentro da capela, com poucas esteiras, tudo muito escuro e umas flores a arremedar. Perante o deslumbrante luar que iluminava tão santa noite, propus que fosse fora, o que foi prontamente aceite. Num ápice se muda o altar e os outros poucos haveres, incluindo a cruz. E que encanto acabaria por ser com a beleza dos esbeltos coqueiros projectada no horizonte largo da lua…. E com umas 200 ou 300 pessoas sentadas em esteiras que, por teimosia minha, tiveram de ir buscar a casa e foram dispondo à volta do altar à medida que iam chegando…. Sim, porque pessoa humana, semelhança de Deus, tem dignidade e não se senta no chão comno o cabrito. Sugeri, pois, que fossem a casa buscar esteiras… Sentei-me na minha cadeira “presidencial” aguardando que as pessoas se dispusessem dignamente sentadas rodeando o altar… Levou isto uma hora, tempo que eu fui aproveitando, tanto para me deliciar com abeleza do luar e da comunidade que se ia compondo à volta do altar, como  para reler os textos (em macua) e deixar-me inspirar para a homilia com que deveria rematar a previsível – e confirmada - animada partilha da Palavra. Foi admirável! Beleza inaudita, a daquela noite, naquela comunidade natalícia, com algumas das crianças já dormindo tranquilamente nas esteiras junto das mães!
A oração dos fieis ecoaria esta minha atitude pedagógica de uma maneira admirável.”O padre tem razão, nós é que somos teimosos e duros. Ele já tinha feito isto nas 2 vezes anteriores que esteve aqui a celebrar connosco”, ouviu-se, no jeito orante de um homem cujo rosto nem o luar me permitiu distinguir!
E assim, neste cenário de beleza natural, sem cortinados nem carpetes, sem almofadas no altar para o missal, sem turíbulos nem castiçais de prata, nem ricas cadeiras ou paramentos dourados, decorreu a minha Missa da Noite de Natal, aquela em que proclamamos que “Os povos que andavam nas trevas viram uma grande luz”.
Com a partilha dos textos, a celebração se prolongou quase até à meia-noite, seguindo-se um jantar de saboroso arroz produzido localmente, com uma deliciosa matapa de folha de mandioca! Outra Ceia de Natal!



A missa do dia de NATAL seria na comunidade-sede. Para mim, a menos exaltante, ainda que muito movimentada e cantada, já que, a não ser a graciosidade das mamãS dançantes (com capulaNaS todas novaS e iguais), foi a que menos teve de genuíno local. A animação do canto era da responsabilidade dos jovens e estes, como acontece por todo o lado, gostam de exibir o seu “progessismo” civilizacional diante dos “cotas”. Neste caso, cantando muito em português, por vezes muito no distorcido do Brasil. Coisas de menos qualidade que, aqui como aí, conseguem, penetrar na vida da Igreja local, e ao que, os responsáveis maiores, nem sempre podem ou sabem fazer frente de maneira pedagógica. E lá vâo passando tantas mediocridades litúrgicas de comunidade em comunidade; do norte ao sul do paìs.
No final, pensava que teria refeição/almoço como nas outras comunidades. Enganei-me: o ancião, simpaticamente, tinha despachado o assunto trazendo-nos de sua casa, uma pequena panela com lanche…. Abri: era esparguete puro e simples, com uns pedaços de batata reino (sim, do Reino de Portugal!). Terminou o meu Natal em Malatane.

Metemo-nos no Land Rover e rumámos, por uma espantosa estrada de terra e coqueiros fazendo adivinhar o mar vizinho, para Liúpo, 70 Kms a norte, onde pastoreiam os missionários do Verbo Divino. Chegámos: o empregado, José Agostinho, cozinheiro exìmio e rececionista aprimorado, apontou-nos o almoço sobre a mesa já que o anfitriâo, o Padre Marcelo, ainda não regressara da sua celebração a…. 60 Kms. Deu tempo para dormir a sesta e, quando nos preparávamos para seguir viagem, apareceu ele e os seus confrades. Brindámos do bom café local e terminaríamos a nossa jornada natalícia em Nampula, depois de termos atravessado, 20 kms antes de chegar, uma tropicalíssima trovoada de meter medo e chuva pelos ossos de toda a gente. Chegámos, sãos e salvos, noite cerrada, mas ainda a tempo de fazermos o nosso jantar de Natal com a cabeça do peixe que nos fora providenciado nas vésperas, na zona da praia, onde celebráramos no dia 24 de manhã.
E agora que  já vos cansei de mais (quem é que teve pachorra para ler tanto?), por aqui me fico, com mais um grande abraço, desejando que o 2013 seja, todo ele, tempo abençoado para todos nós!

Zé Luzia